Adequado para crianças de 4 a 8 anos.

Na cidadezinha escondida entre colinas douradas e campos floridos, cada manhã começava com o mesmo ritual mágico: o sol, como um pintor cuidadoso, derramava ouro sobre as colinas, fazendo-as brilhar como mel líquido. Os campos, por sua vez, eram um tapete infinito de cores: margaridas brancas acenavam para o céu azul, botões-de-ouro dançavam com a brisa matinal, e lavandas roxas exalavam um perfume que embalava os sonhos dos moradores. No coração dessa paisagem de conto de fadas, havia uma praça que parecia ter sido esculpida por fadas sonhadoras.
No centro da praça, erguia-se o coreto antigo, sua estrutura de madeira escura desgastada pelo tempo e carinho, mas o telhado vermelho-tijolo sempre vibrante, como se tivesse acabado de ser pintado. Era o coração pulsante da cidade. Ali, sob suas vigas entrelaçadas, histórias de risadas, declarações de amor, canções de ninar e até mesmo lágrimas de despedida haviam ecoado por gerações. As crianças corriam em volta dele, suas vozes misturando-se ao zumbido das abelhas que visitavam os canteiros de rosas amarelas e vermelhas que cercavam o coreto. Os bancos de ferro forjado, com desenhos de folhas e pássaros, convidavam os mais velhos a sentar, observar e lembrar-se.
E era ali, nesse santuário de memórias e alegria, que uma vez por ano, quando o verão beirava o outono e as folhas começavam a pintar o céu de tons quentes, acontecia o Festival das Cores. Não era apenas um evento; era a alma da cidade se expressando. Durante semanas antes, as crianças colhiam as flores mais bonitas para enfeitar o coreto, os adultos ensaiavam canções antigas e novas, e o ar ficava carregado de uma expectativa doce e vibrante. Era o dia em que a cidade inteira se tornava uma só voz, uma só celebração da vida e da beleza.
Este ano, a expectativa era maior do que nunca. A grande atração, anunciada em cartazes coloridos espalhados por cada esquina e sussurrada com entusiasmo em cada porta, era A Banda das Cores. Não era uma banda comum. Era formada por instrumentos mágicos, cada um com uma cor única, uma personalidade distinta e, o mais incrível… vida própria! Eles não eram apenas tocados; eles sentiam, expressavam e interagiam.

O público, quando os via pela primeira vez, não acreditava. Crianças paravam no meio da corrida, os olhos arregalados. Adultos sorriam, um brilho de incredulidade e encanto no olhar. Como era possível?
O Violão Vermelho não apenas ficava apoiado no seu suporte. Ele respirava. Suas cordas vibravam com uma energia própria, e quando uma criança se aproximava, ele inclinava levemente seu corpo, como se curvando, e um sorriso amplo e caloroso desenhava-se em seu corpo de madeira vermelha, brilhante como um rubi. Ele piscava lentamente, um piscar lento e amigável, que fazia as crianças rirem e se sentirem especiais. Seu som, quando tocado, não era apenas música; era calor, era fogo, era a alegria contagiante de uma festa.
O Tambor Amarelo era pura energia. Ele não esperava um baterista. Ele batia sozinho. Sua pele amarelo-sol estremecia, e baquetas mágicas, feitas de luz dourada, apareciam e desapareciam, marcando ritmos que faziam os pés mexerem involuntariamente. Era impossível ficar parado quando ele tocava. Seu ritmo era o coração da festa, pulsante, convidativo, irresistível. As crianças balançavam os quadris, os adultos batiam palmas, e até os pássaros parecem dançar no ar, seguindo sua batida.
E o Saxofone Azul… ah, o Saxofone Azul era poesia em movimento. Ele não ficava no chão. Ele flutuava. A uns quinze centímetros do solo, ele pairava, seu corpo de metal azul-profundo reluzindo como o oceano em um dia ensolarado. Quando ele soltava uma nota, não era apenas um som. Era uma nuvem visível, uma esfera azulada que se formava na ponta do bocal, flutuava lentamente pelo ar, dissipando-se como um sonho bom. Suas notas eram suaves, serenas, como uma brisa fresca em um dia quente. Elas acalmavam os choros, suavizavam as brigas e faziam até os corações mais agitados encontrarem um momento de paz.
As pessoas se reuniam em torno do coreto horas antes dos ensaios, só para ver essa magia cotidiana. Dona Rosa, que vendia café quente e bolo de milho em seu carrinho próximo, dizia sempre: “Essa banda… ela não apenas toca. Ela pinta o ar com sentimentos”. As crianças corriam para a praça depois da escola, não para o parquinho, mas para sentar-se na grama e observar, fascinadas, enquanto os instrumentos “conversavam” entre si com notas curtas e rítmicas, um aquecimento que parecia uma brincadeira.
Mas havia um segredo profundo, uma verdade que apenas os próprios instrumentos conheciam e que Lia, a pequena regente de nove anos, começava a intuir. Essa magia, essa capacidade de tocar juntos e criar aquela sinfonia de cores e emoções que encantava a todos, dependia de uma condição frágil e poderosa: a perfeita harmonia. Cada instrumento precisava ouvir o outro, respeitar o espaço do outro, complementar o som do outro. Era como uma dança invisível, um equilíbrio delicado entre personalidades tão diferentes. E naquela semana, naquele ano de tanto esperança, esse equilíbrio estava ameaçado. Uma nuvem sutil, quase imperceptível, pairava sobre o coreto vermelho. A discordia, como uma semente má, começava a brotar no solo fértil da magia, e ninguém, ainda, sabia o tamanho do desafio que estava por vir. O sol ainda brilhava, as flores ainda exalavam seu perfume, e as crianças ainda corriam rindo, mas no coração do coreto, uma tempestade silenciosa começava a se formar.

A manhã anterior ao Festival das Cores amanheceu estranha. O sol, que costumava banhar a praça com luz dourada, parecia tímido, escondido atrás de nuvens cinzentas. Uma brisa fria, incomum para aquela época do ano, fazia as rosas vermelhas ao redor do coreto tremeluzirem como se estivessem assustadas. O silêncio era pesado, quase palpável. Nenhuma criança corria rindo, nenhum pássaro cantava. Até Dona Rosa, com seu carrinho de café, olhava para o coreto com preocupação, seu bolo de milho parecendo menos doce naquele dia.
Dentro do coreto, a tensão era um fio esticado prestes a arrebentar. O Violão Vermelho, normalmente tão alegre e acolhedor, estava encostado na parede, seu corpo vermelho-vivo parecendo mais escuro, mais opaco. Suas cordas vibravam com um zumbido agressivo, como uma vespa irritada. Ele não olhava para os outros; seu olhar fixava-se no vazio, cheio de uma frustração que transbordava em palavras ásperas:
— Eu quero abrir o show sozinho! — declarou ele, sua voz soando como um acorde dissonante. — Meu som é o mais animado! As pessoas pulam, gritam, sorriem quando eu começo! Eu sou a alma da festa!
O Tambor Amarelo, que costumava ser o coração pulsante da banda, estava no centro do coreto, batendo uma batida irregular, nervosa. Suas baquetas de luz dourada piscavam de forma errática, como lâmpadas prestes a queimar. Ele girou sobre sua base, enfrentando o Violão Vermelho:
— Sozinho? — retrucou, sua voz de trovão abafado soando mais alta do que o normal. — E o meu ritmo? Sem mim, ninguém dança! É o meu pulso que faz o sangue das pessoas correr mais rápido! Eu sou a energia! Eu sou o movimento!
O Saxofone Azul, que geralmente flutuava serenamente, pairava agora a uma altura instável, balançando suavemente como um barco em águas turbulentas. Seu corpo azul-profundo, antes reluzente como o oceano profundo, tinha manchas cinzentas, como sujeira que não saía. Ele soltou um suspiro profundo, uma nota longa e triste que ecoou pelo coreto:
— Se continuarem discutindo… — disse ele, sua voz normalmente suave soando cansada, desgastada. — …não haverá música nenhuma. Apenas silêncio. E silêncio é a morte da magia.
A Guitarra Verde, sempre a pacificadora, tentava se interpor. Ela se moveu lentamente em seu suporte, suas cordas verdes-esmeralda vibrando com uma melodia suave, quase suplicante. Ela se posicionou entre o Violão Vermelho e o Tambor Amarelo, como uma barreira frágil:
— Amigos, por favor! — implorou, sua voz doce como mel. — Lembrem-se: cada cor tem seu som, e juntos fazemos algo maior! O vermelho do fogo, o amarelo do sol, o azul do céu, o verde das florestas… somos um arco-íris! Sozinhos, somos apenas cores. Juntos, somos maravilha!
Porém, suas palavras pareciam se perder no ar denso da discórdia. Ninguém a ouviu. O foco estava na briga feroz entre o Violão e o Tambor.

O Piano Branco, no entanto, era a figura mais perturbadora. Normalmente elegante e central, ele estava afastado, quase no canto mais sombrio do coreto. Sua tampa estava fechada com um “clac!” seco, definitivo, como um portão de ferro trancado. Nenhuma nota saía de suas teclas. Sua cor branca-pura parecia acinzentada, e uma aura de distância, de frieza, emanava dele. Quando finalmente falou, sua voz soou como cristal quebrando, clara e cortante:
— Eu só toco — disse ele, sem se virar para os outros — se todos seguirem o meu compasso. Sem ordem, sem disciplina, sem a minha estrutura… não há música. Apenas barulho. E barulho é ofensa aos ouvidos.
Lia, que havia chegado cedo para o ensaio final, parou no meio do caminho que levava ao coreto. Seu coração, que normalmente batia no ritmo da expectativa do festival, agora parecia ter parado. Ela olhou para seus amigos instrumentos, sua família musical, e uma onda de tristeza e medo a envolveu. O Violão Vermelho, que sempre a fizera rir com suas brincadeiras, estava fechado em sua raiva. O Tambor Amarelo, que a convidara para dançar tantas vezes, estava perdido em sua própria importância. O Saxofone Azul, que a acalmara com suas melodias quando ela estava triste, parecia derreter em desespero. A Guitarra Verde, que sempre ouvira seus segredos, parecia impotente. E o Piano Branco… o Piano Branco, cuja sabedoria ela tanto admirava, parecia ter construído um muro ao seu redor.
Ela subiu os degraus do coreto, seus passos pequenos ecoando no silêncio pesado. A brisa fria soprou novamente, mais forte desta vez, fazendo seus cabelos cacheados dançarem ao redor do rosto. Ela sentiu um calafrio que não vinha do ar.
— O que está acontecendo? — perguntou ela, sua voz pequena, quase um sussurro, mas que cortou o silêncio como uma faca. — Por que vocês estão… assim?
Os instrumentos pararam. O Violão Vermelho olhou para ela, seu “rosto” de madeira suavizando por um instante, antes da dureza retornar. O Tambor Amarelo parou de bater, suas baquetas piscando mais devagar. O Saxofone Azul baixou um pouco, pairando mais perto dela. A Guitarra Verde virou-se para ela, suas cordas vibrando com uma nota de esperança. O Piano Branco… o Piano Branco não se moveu.
— É o festival amanhã, Lia! — disse o Violão Vermelho, sua voz ainda cheia de teimosia. — Precisamos decidir quem começa! Quem brilha mais! — É sobre ritmo! — insistiu o Tambor Amarelo. — Sem meu pulso, o show é chato! — É sobre equilíbrio — sussurrou o Saxofone Azul. — E estamos perdendo-o. — É sobre paz — murmurou a Guitarra Verde. — E a paz se foi. — É sobre ordem — declarou o Piano Branco, sem se virar. — E a ordem foi esquecida.

Lia sentiu as lágrimas ameaçarem cair. Ela olhou para o telhado vermelho do coreto, que costumava ser seu lugar seguro, seu refúgio. Agora, ele parecia pequeno, frágil diante da tempestade que se formava dentro dele. O festival sem música? A cidade sem a alegria da Banda das Cores? Era impensável. As crianças esperavam por aquele dia o ano inteiro. Os adultos precisavam daquela magia para renovar seus espíritos. Ela precisava deles. Eles precisavam uns dos outros.
— Por favor… — disse ela, sua voz um pouco mais forte, carregada de emoção. — O festival é amanhã. As pessoas… elas esperam por nós. Por nossa música. Por nossa magia. Vocês precisam se ouvir. Precisam… precisam se lembrar do que nos torna especiais.
Entretanto, suas palavras, cheias de sinceridade, pareciam não encontrar eco. O Violão Vermelho cruzou seus “braços” de madeira. O Tambor Amarelo deu uma batida seca no chão. O Saxofone Azul soltou outra nota triste. A Guitarra Verde baixou a “cabeça”. O Piano Branco permaneceu imóvel, uma estátua fria e branca.
Foi então que algo aconteceu. Algo que fez o sangue de Lia gelar nas veias. Um vento soprou, mas não era um vento comum. Era frio, sim, mas também… cinzento. Ele não vinha de fora; ele parecia emanar de dentro do próprio coreto, do espaço entre os instrumentos em conflito. Era como uma névoa fina, quase invisível, mas que trazia um peso, uma escuridão. Ela soprou suavemente sobre o Violão Vermelho, e onde tocou, uma pequena mancha acinzentada apareceu em seu corpo vermelho, apagando o brilho. Passou sobre o Tambor Amarelo, e sua pele amarela perdeu um pouco do seu dourado. Envolveu o Saxofone Azul, e seu azul tornou-se mais opaco, menos profundo. Tocou a Guitarra Verde, e seu verde-esmeralda pareceu murchar um pouco. E pairou sobre o Piano Branco, que, mesmo de costas, pareceu encolher-se sob seu toque frio.
O Saxofone Azul, que sempre fora o mais sensível, reconheceu imediatamente o perigo. Sua voz, antes cansada, agora estava cheia de um medo palpável:
— É a Névoa da Desafinação… — sussurrou, sua nota tremendo. — Ela só aparece quando há desarmonia. Quando a música morre.
Os outros instrumentos pararam. O Violão Vermelho olhou para a mancha cinzenta em seu corpo, seu olhar de raiva substituído por um de pânico. O Tambor Amarelo tocou sua própria pele, sentindo a perda do brilho. A Guitarra Verde tentou limpar a mancha opaca com um movimento de cordas, mas ela permaneceu. O Piano Branco, finalmente, virou-se lentamente. Sua tampa permanecia fechada, mas seus “olhos” de teclas estavam abertos, cheios de um medo que Lia nunca vira antes.
— Névoa da Desafinação? — repetiu o Violão Vermelho, sua voz um eco fraca.
— Eu… eu ouvi histórias… ela… ela apaga as cores… ela… — Ela rouba a música — completou o Saxofone Azul, sua voz quebrada. — Se a névoa cobrir todos… perderemos nossas cores. Para sempre. E nunca mais… nunca mais poderemos tocar.
O silêncio que se seguiu foi ainda mais pesado do que antes. Era um silêncio carregado de terror. A névoa cinzenta não era mais uma ameaça distante; ela estava ali, pairando sobre eles, alimentando-se de sua discórdia, crescendo a cada nota de discórdia, a cada palavra de raiva. Lia olhou para seus amigos, vendo o medo em seus “rostos”, vendo as manchas cinzentas se espalharem lentamente, como uma doença. O festival, a cidade, a música… tudo estava em perigo. E ela, Lia, a pequena regente de nove anos, sabia, com uma clareza assustadora, que a responsabilidade de salvar a banda, de salvar a magia, caía sobre seus ombros frágeis. O desafio da harmonia não era mais um conceito abstrato; era uma batalha pela sobrevivência da própria alma da cidade.

Lia tentou conversar com cada instrumento separadamente.
Com o Violão Vermelho, dançou animada para mostrar que precisava de sua energia. Com o Tambor Amarelo, bateu palmas no ritmo, lembrando-o de como todos seguiam seu compasso. Com o Saxofone Azul, pediu para ele tocar uma melodia suave que acalmou até os pássaros na praça. Com a Guitarra Verde, cantou sobre a amizade e a paz. E com o Piano Branco, tentou tocar junto, mas ele simplesmente não se abria.
— Vocês precisam ouvir uns aos outros — disse Lia, juntando todos. — Música é conversa, não competição!
Entretanto, a discussão recomeçou. Cada um queria ser mais ouvido.
Então, algo aconteceu: um vento cinzento e frio soprou sobre o coreto, apagando parte das cores dos instrumentos. Onde antes havia brilho, agora surgiam manchas opacas.
O Saxofone Azul reconheceu: — É a Névoa da Desafinação… ela só aparece quando há desarmonia.
Se a névoa cobrisse todos, perderiam suas cores e nunca mais tocariam.

Lia entendeu: para salvar a banda, precisaria levá-los até o Bosque das Sete Notas, um lugar mágico onde cada cor e som recuperava sua força. Porém, havia um detalhe — só conseguiriam atravessar se tocassem juntos uma melodia especial.
— Isso é impossível! — disse o Violão Vermelho. — Não estamos nem concordando!
— Ou tentamos… ou desaparecemos — respondeu o Tambor Amarelo, finalmente mais calmo.
O caminho até o bosque era cheio de obstáculos. Logo no início, encontraram um rio largo e correnteza forte.
— Como vamos atravessar? — perguntou a Guitarra Verde, preocupada.
Foi então que viram uma ponte de madeira antiga, com cordas coloridas penduradas em ambos os lados. Todavia, a ponte estava levantada, impossibilitando a passagem.
— Olhem! — apontou Lia. — Há uma inscrição aqui: “Só o ritmo certo abrirá este caminho”.
O Tambor Amarelo aproximou-se, curioso. — Talvez seja o meu ritmo que eles falam! — disse ele, animado.
Lia sorriu. — Vamos tentar! Todos, sigam o ritmo do Tambor Amarelo!
O Violão Vermelho começou a tocar um ritmo básico, seguido pela Guitarra Verde. O Saxofone Azul entrou com uma melodia suave, e o Tambor Amarelo marcou o tempo com força e precisão.
Porém, a ponte não se moveu.
— Precisamos de mais força! — disse Lia. — Piano Branco, precisamos de você!
O Piano Branco hesitou, mas então abriu lentamente sua tampa e começou a tocar, adicionando profundidade à música.
A ponte começou a tremer, lentamente descendo até se conectar perfeitamente com o outro lado do rio.
— Conseguimos! — celebraram todos.
— Foi o ritmo do Tambor Amarelo que uniu todos os nossos sons — reconheceu o Violão Vermelho, humildemente.
— E cada um de nós contribuiu para a harmonia — completou o Saxofone Azul.
Eles atravessaram a ponte, sentindo uma nova energia entre eles. Contudo, ainda havia um longo caminho pela frente.

Após cruzarem a ponte, o grupo encontrou um caminho sinuoso que levava a uma floresta densa. As árvores eram altas e frondosas, com folhas que brilhavam em tons de verde e dourado.
— Estou cansado — reclamou o Piano Branco. — E ainda não vejo como isso vai ajudar.
Lia parou e pensou por um momento. Ela sabia que precisava do Piano Branco, mas também sabia que ele era teimoso.
— E se a gente fizesse uma brincadeira musical? — sugeriu Lia. — Como aquele jogo de “pergunta e resposta” que as crianças adoram?
Os instrumentos se entreolharam, curiosos.
— Como funciona? — perguntou o Violão Vermelho.
— Eu faço uma pergunta musical, e um de vocês responde com outra melodia. Depois, outro faz uma nova pergunta, e assim por diante — explicou Lia.
O Piano Branco parecia interessado, embora tentasse disfarçar.
— Vamos tentar — disse ele, com um tom de indiferença.
Lia começou com uma melodia curta e alegre. O Violão Vermelho respondeu com uma sequência de acordes vibrantes. Então, a Guitarra Verde fez uma pergunta suave, e o Saxofone Azul respondeu com notas que pareciam sussurros.
Foi a vez do Piano Branco. Ele tocou uma melodia complexa, como se estivesse testando os outros.
— Minha vez de responder! — disse o Tambor Amarelo, e tocou um ritmo que complementava perfeitamente o que o Piano Branco havia feito.
O Piano Branco pareceu surpreso.
— Isso foi… bom — admitiu ele.
— Vamos continuar? — sugeriu Lia.
E assim seguiram, brincando de perguntas e respostas musicais. Cada vez, o Piano Branco se envolvia mais, até que finalmente ele estava totalmente integrado ao grupo.
— Isso é divertido! — disse ele, e pela primeira vez, Lia viu um sorriso em suas teclas.
— Vejam! — gritou a Guitarra Verde. — As cores estão voltando!
De fato, enquanto brincavam, as cores dos instrumentos iam ficando mais vibrantes, e a névoa cinzenta recuava.
— Estamos no caminho certo! — comemorou Lia.
Eles continuaram pela floresta, agora mais unidos do que nunca. No entanto, o maior desafio ainda estava por vir.

O caminho levava-os a um campo aberto, onde havia pedras grandes e coloridas espalhadas pelo chão. Cada pedra tinha uma cor diferente: vermelha, amarela, azul, verde e branca.
— O que são essas pedras? — perguntou o Saxofone Azul.
Lia aproximou-se e leu uma inscrição na primeira pedra: — “Só quem tocar a nota certa passará adiante”.
— Parece mais um desafio musical — disse o Violão Vermelho.
— Cada pedra deve corresponder a um de nós — observou a Guitarra Verde.
Eles se aproximaram das pedras, que começaram a brilhar suavemente.
— Vamos tentar tocar juntos — sugeriu Lia.
O Violão Vermelho começou com uma nota aguda, e a pedra vermelha brilhou intensamente. O Tambor Amarelo tocou um baixo profundo, e a pedra amarela respondeu com um brilho dourado. O Saxofone Azul soltou uma melodia suave, e a pedra azul iluminou-se. A Guitarra Verde tocou uma sequência de notas, e a pedra verde brilhou como esmeralda.
Faltava apenas a pedra branca. Todos se voltaram para o Piano Branco, que hesitou.
— E se eu errar? — perguntou ele.
— Não tem errado — disse Lia, gentilmente. — Cada som é único, assim como cada um de nós.
O Piano Branco inspirou profundamente e tocou uma nota clara e pura. A pedra branca brilhou como uma estrela, e todas as pedras começaram a vibrar, formando um caminho luminoso à frente.
— Conseguimos! — celebraram.
— Cada um de nós tinha uma nota importante — reconheceu o Piano Branco. — Juntos, criamos uma música completa.
— Isso é o que a harmonia significa — disse Lia. — Cada um com sua própria voz, mas todos juntos criando algo bonito.
Eles seguiram pelo caminho iluminado, sentindo-se mais confiantes. Contudo, o resultado esperado ainda bem distante.

O caminho levava-os a uma clareira onde havia muitos pássaros de cores vibrantes. Eles pousavam nos galhos das árvores, observando o grupo com curiosidade.
— São lindos! — disse Lia, maravilhada.
— Parecem que querem nos dizer algo — observou o Saxofone Azul.
De fato, os pássaros começaram a cantar, uma melodia complexa e harmoniosa.
— Eles querem que nós cantemos juntos! — percebeu a Guitarra Verde.
— Mas como? Nós não sabemos a música deles — disse o Violão Vermelho.
— Podemos tentar acompanhar — sugeriu Lia. — Ouça com atenção.
Os pássaros recomeçaram o canto, e os instrumentos tentaram acompanhar. Todavia, era difícil, pois a melodia era complexa e mudava rapidamente.
— Vamos respirar fundo e tentar de novo! — disse o Saxofone Azul, tentando acalmar os outros.
Eles tentaram novamente, mas ainda não estavam sincronizados.
— Precisamos nos ouvir mais — disse o Piano Branco, surpreendentemente. — Vamos, um de cada vez.
O Violão Vermelho começou, tentando imitar o canto de um pássaro vermelho. O Tambor Amarelo acrescentou o ritmo, marcando o tempo. O Saxofone Azul entrou com uma melodia suave, seguido pela Guitarra Verde. O Piano Branco uniu todos com acordes harmoniosos.
Pouco a pouco, sua música foi se aproximando do canto dos pássaros, até que finalmente estavam perfeitamente sincronizados.
Os pássaros cantaram mais alto, voando em círculos acima deles. Então, um caminho abriu-se na clareira, levando à próxima parte da jornada.
— Foi incrível! — disse Lia. — Vocês ouviram uns aos outros e encontraram a harmonia.
— Foi difícil, mas valeu a pena — admitiu o Violão Vermelho.
— Às vezes, precisamos parar e ouvir os outros — acrescentou o Piano Branco.
Eles continuaram pela nova trilha, sentindo-se mais unidos do que nunca. Porém, o empecilho final ainda estava por vir.

Chegaram ao último desafio: uma clareira onde a Névoa da Desafinação esperava, enorme e densa, bloqueando a entrada do bosque.
— Só passarão se conseguirem tocar juntos — ecoou uma voz grave.
Os instrumentos olharam uns para os outros, apreensivos. A névoa era ameaçadora, e eles sabiam que seria o teste definitivo.
— Podemos fazer isso — disse Lia, com confiança. — Juntos, somos mais fortes.
Lia ergueu a batuta.
O Violão Vermelho começou com acordes quentes. O Tambor Amarelo entrou no compasso, firme. O Saxofone Azul preencheu o ar com serenidade. A Guitarra Verde trouxe notas suaves como folhas ao vento. O Piano Branco, hesitante, finalmente abriu sua tampa e soltou acordes que uniram todos.
A música cresceu, cada cor brilhando mais forte. Entretanto, a névoa não recuava. Pelo contrário, parecia ficar mais densa.
— Não está funcionando! — gritou o Violão Vermelho, em pânico.
— Continuem! — pediu Lia. — Não desistam!
Os instrumentos continuaram tocando, porém a névoa continuava avançando. Eles estavam perdendo suas cores novamente.
— Precisamos de algo mais! — disse o Saxofone Azul.
— Talvez… talvez precisemos nos conectar de verdade — sugeriu o Piano Branco. — Não apenas tocar juntos, mas sentir a música uns dos outros.
— Como? — perguntou o Tambor Amarelo.
— Fechem os olhos — disse Lia. — Sintam a música. Sintam uns aos outros.
Eles fecharam os olhos e continuaram tocando. Agora, a música era diferente. Não era apenas uma sequência de notas, mas uma conversa, um diálogo entre eles.
O Violão Vermelho não apenas tocava, mas escutava o Tambor Amarelo e respondia com seus acordes. O Saxofone Azul não apenas soltava notas, mas dialogava com a Guitarra Verde. O Piano Branco não apenas marcava o tempo, mas unia todos os sons em uma única melodia.
A música cresceu, cada cor brilhando mais forte, até que um arco-íris explodiu sobre eles, dissipando a névoa.

Ao atravessar, o Bosque das Sete Notas os recebeu com flores que cantavam e riachos que murmuravam melodias. Os instrumentos estavam mais vivos e coloridos do que nunca.
— É mágico! — disse Lia, maravilhada.
— Nossas cores! Nossas cores estão mais vibrantes! — comemorou o Violão Vermelho.
— E nossa música… nunca soou tão bem — acrescentou o Saxofone Azul.
Eles exploraram o bosque, descobrindo que cada árvore, cada flor, cada pedra parecia ter uma música própria. Eles se sentavam e tocavam, e o bosque respondia com suas próprias melodias.
— Isso é incrível! — disse o Piano Branco. — Nunca me senti tão… vivo.
— É porque estamos em harmonia — disse Lia. — Não apenas entre nós, mas com tudo ao nosso redor.
Eles passaram horas no bosque, tocando, cantando e rindo. Quando finalmente decidiram voltar, estavam transformados.

O sol da manhã pintou o céu com tons de laranja e rosa quando a cidadezinha acordou. Um zumbido de expectativa percorria as ruas floridas. Crianças seguravam balões coloridos, adultos arrumavam cadeiras na praça, e o cheiro de pipoca doce misturava-se ao aroma das flores silvestres. No centro, o coreto vermelho brilhava como joia, esperando por sua banda mágica. Lia, com seu vestido azul-celeste e um pequeno laço no cabelo cacheado, respirou fundo. Hoje não era apenas um festival; era a celebração da harmonia conquistada.
Os instrumentos entraram em cena, não mais como indivíduos, mas como uma unidade vibrante. O Violão Vermelho não mais exigia o centro; ele sorriu para o Tambor Amarelo, que respondeu com um ritmo acolhedor. O Saxofone Azul flutuou mais alto que nunca, suas notas como borboletas dançantes. A Guitarra Verde ecoou uma melodia suave, e o Piano Branco, com sua tampa aberta em convite, derramou acordes que pareciam abraçar todos os outros sons. Lia ergueu a batuta, e a primeira nota ecoou pela praça – não um som, mas uma sensação de alegria pura.
A multidão explodiu em aplausos. Crianças dançaram descalças no gramado, seus pés movendo-se no ritmo do Tambor Amarelo. Um bebê riu ao ver o Saxofone Azul fazer uma pirueta no ar. Os pais trocaram olhares de admiração, sentindo a magia no ar. A música não era apenas ouvida; era sentida. Era o calor do Violão Vermelho, a pulsação do Tambor Amarelo, a serenidade do Saxofone Azul, a frescura da Guitarra Verde e a profundidade do Piano Branco, tudo tecido junto por Lia, cujos olhos brilhavam com lágrimas de felicidade.
No meio da apresentação, algo mágico aconteceu. As notas musicais, ao se encontrarem no ar, começaram a brilhar, formando pequenas estrelas coloridas que dançavam acima da multidão. As crianças esticavam as mãos, tentando pegá-las, rindo quando as estrelas-poeira pousavam suavemente em suas cabeças. Até as flores ao redor do coreto pareciam balançar no ritmo, suas pétalas liberando um perfume mais doce. A cidade inteira respirava harmonia.

Quando a última nota cessou, um silêncio reverente tomou conta, seguido por uma ovação que fez o chão tremer. As pessoas gritavam “Mais! Mais!”, e a banda, rejuvenescida pelo Bosque das Sete Notas, atendeu. Tocaram uma música nova, criada ali mesmo, inspirada na jornada. O Violão Vermelho falava da coragem de atravessar a ponte, o Tambor Amarelo marcava a persistência nas pedras musicais, o Saxofone Azul sussurrava a calma necessária para ouvir os pássaros, a Guitarra Verde tecia a paz da brincadeira musical, e o Piano Branco unia tudo com a sabedoria da harmonia final. Lia conduzia não apenas com as mãos, mas com o coração.
Ao final, exaustos mas radiantes, a banda fez uma reverência coletiva. Lia aproximou-se do microfone, sua voz clara e emocionada: — Obrigada, querida cidade! Hoje, vocês não apenas ouviram música. Vocês sentiram a magia que acontece quando diferentes vozes se unem com respeito e escuta. Cada instrumento aqui tem seu som único, sua cor especial. Mas juntos… juntos eles criam algo que nenhum conseguiria sozinho. É assim na música, é assim na vida. Quando ouvimos uns aos outros, quando valorizamos o que cada um traz, criamos harmonia. E a harmonia… a harmonia é a mais linda das músicas.
A multidão aplaudiu de pé, muitos com os olhos úmidos. As crianças corriam para o palco, não para autógrafos, mas para tocar levemente os instrumentos, que agora permitiam o contato com ternura. O Violão Vermelho deixou uma menina pequena roçar seus dedos em suas cordas, o Tambor Amarelo deixou um menino bater levemente em sua pele, o Saxofone Azul baixou até a altura de um bebê que o olhava maravilhado. A Guitarra Verde e o Piano Branco também foram cercados por pequenas mãos curiosas. Lia sorriu, vendo seu sonho realizado: a música não era mais um espetáculo, era uma conexão.

Os dias que se seguiram ao festival foram diferentes na cidadezinha. A alegria contagiante daquele dia parecia ter impregnado o ar. As pessoas cumprimentavam-se com mais calor, os vizinhos conversavam nas calçadas, e até as brigas infantis no parquinho pareciam mais curtas, resolvidas com um “vamos ouvir o que o outro tem a dizer?” – uma frase que ecoava a lição de Lia. O coreto vermelho, antes silencioso entre festivais, agora era ponto de encontro diário. Alguém sempre aparecia com um violão, uma flauta, ou apenas para cantarolar, e logo outros se juntavam, criando pequenos momentos de música espontânea.
A Banda das Cores também mudou. Eles não mais guardavam seus talentos para o palco. Pela manhã, o Violão Vermelho tocava suaves acordes para acordar os pássaros. À tarde, o Tambor Amarelo marcava o ritmo para as crianças pularem corda. O Saxofone Azul flutuava sobre o lago da cidade, suas notas fazendo os peixes dançarem. A Guitarra Verde sentava sob as árvores, convidando quem passasse para uma troca de melodias. E o Piano Branco, antes distante, agora abria suas teclas todas as tardes para aulas improvisadas. Lia era sua parceira constante, ajudando crianças e adultos a descobrir o prazer de fazer música juntos.
Um dia, uma nova ameaça surgiu, não em forma de névoa, mas de dúvida. Uma criança tímida chamada Leo, de 7 anos, aproximou-se do coreto. Ele queria aprender a tocar, mas tinha medo de errar, de não ser bom o suficiente. Os instrumentos notaram sua hesitação.
— Olá, Leo! — cumprimentou o Violão Vermelho, com um tom acolhedor. — Quer experimentar um acorde?
— Eu… eu não sei — gaguejou Leo. — Posso estragar tudo.
— Estragar? — riu o Tambor Amarelo. — Música não se estraga, Leo! Ela só muda de forma. Vem, bate aqui!
Leo aproximou-se timidamente e deu um leve toque no tambor. O som ecoou, forte e claro. — Uau! — exclamou ele, surpreso. — Eu fiz isso?
— Claro! — disse o Saxofone Azul, flutuando até ele. — Agora, tenta assobiar uma nota. Qualquer uma! Leo assobiou uma nota trêmula. O Saxofone respondeu com a mesma nota, depois adicionou outra, convidando-o a seguir. Logo, Leo estava soprando notas simples, e o Saxofone as transformava em uma melodia doce. A Guitarra Verde juntou-se com acordes suaves, e o Piano Branco completou com uma base harmoniosa. Leo sorriu, seu medo substituído por pura alegria. Lia observava, seu coração cheio. A harmonia que eles haviam encontrado no Bosque das Sete Notas agora se espalhava, semente por semente, pessoa por pessoa.

O tempo passou, e o Festival das Cores tornou-se uma lenda viva na cidadezinha. Ano após ano, a Banda das Cores se apresentava, não como atração principal, mas como coração da celebração. Eles inspiravam outros a se juntarem: um flautista, um acordeonista, crianças com pandeiros e maracás. O palco do festival cresceu, abrigando cada vez mais vozes e instrumentos. A harmonia não era mais apenas da banda; era da comunidade inteira.
Lia cresceu, mas nunca perdeu sua conexão com a música e com os instrumentos. Ela se tornou uma mestra, ensinando não apenas notas, mas o valor da escuta, da paciência e da colaboração. Os instrumentos, por sua vez, tornaram-se guardiões da praça. O Violão Vermelho contava histórias de coragem para crianças à noite. O Tambor Amarelo mantinha o ritmo dos eventos da cidade. O Saxofone Azul acalmava corações aflitos com suas melodias. A Guitarra Verde promovia encontros de paz. E o Piano Branco, agora o mais sábio de todos, era procurado por conselhos, não apenas musicais, mas sobre a vida.
Numa tarde tranquila, muitos anos depois, Lia sentou-se no coreto, agora uma mulher jovem, mas com o mesmo brilho nos olhos. Os instrumentos estavam ao seu redor, suas cores mais vibrantes do que nunca. Uma nova geração de crianças brincava na praça, algumas já tentando tocar pequenas melodias.
— Vocês se lembram daquele dia? — perguntou Lia, com um sorriso nostálgico.
— Da névoa? Do medo? — Como esquecer? — respondeu o Violão Vermelho.
— Foi o nosso desafio mais difícil. — Porém, também foi o mais importante — acrescentou o Saxofone Azul.
— Aprendemos que a verdadeira música não está em ser o mais alto ou o mais rápido. — Está em ouvir — completou a Guitarra Verde.
— Em dar espaço. — Em encontrar o ritmo comum — disse o Tambor Amarelo.
— E em saber que, juntos, somos mais fortes do que qualquer névoa — finalizou o Piano Branco, com acordes profundos que pareciam carregar a sabedoria dos anos.
Lia olhou para as crianças, para a cidade vibrante, para seus amigos instrumentos. A harmonia que eles haviam conquistado com tanto esforço não era apenas um fim; era um começo. Uma melodia que continuava a tocar, crescendo e se transformando a cada nova voz que se juntava, a cada novo coração que aprendia a escutar. A música da Banda das Cores nunca cessou. Ela apenas se tornou parte da sinfonia da vida daquela cidadezinha, um eco eterno de que a verdadeira magia acontece quando diferentes cores, diferentes sons, diferentes pessoas, se unem em respeito e amor. E assim, sob o telhado vermelho do coreto antigo, a harmonia florescia, para sempre.
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